“O Ruído é o homem sem filtro, e, sem filtro, o homem é só caos em movimento”.
É com essa pertinente e cada vez mais atual frase que se inicia a adaptação cinematográfica de “Mundo em Caos” (Chaos Walking), que chega aos cinemas após vários adiamentos devido à pandemia de Covid-19, com a promessa de ser o primeiro capítulo em formato de filme, da trilogia best-seller escrita por Patrick Ness, cujos volumes foram lançados entre 2008 e 2010.
A trama se passa em um planeta desconhecido, para onde parte da humanidade fugiu após um aparente apocalipse acometer a Terra. Nesse local, os homens desenvolvem uma estranha incapacidade de manter seus próprios pensamentos em sigilo, sendo que tudo que eles imaginam pode ser ouvido por quem estiver próximo a eles.
Esse é o tal “Ruído” da citação inicial, que em tela também ganha a ajuda visual de uma espécie de névoa que envolve o personagem enquanto este manifesta qualquer pensamento que seja. Embora funcione para separar ideias de diálogos, tal recurso flerta com a repetição excessiva após algum tempo de exibição.
Além dessa peculiaridade um tanto quanto inconveniente, há outro fato importante na pavimentação dessa narrativa: imunes à invasão de seus pensamentos – embora pudessem ouvir os dos homens com clareza – todas as mulheres acabaram mortas, o que significa que em médio prazo, a continuidade da espécie estará em risco completo.
O protagonista da história dirigida por Doug Liman é Todd Hewwitt (Tom Holland), o habitante mais novo da pequena comunidade liderada pelo assim chamado “Prefeito” Prentiss (Mads Mikkelsen) – este no papel de líder absoluto, cuja destreza em controlar seu ruído influencia diretamente nas decisões dos demais cidadãos.
A tediosa rotina de Todd, cuja única companhia é do adorável cãozinho Manchee (um dos personagens favoritos de boa parte dos leitores da obra na qual o filme se baseia – e eu entendo perfeitamente o motivo para tal predileção), é posta em xeque com a inesperada aparição de Viola (Daisy Ridley), primeira figura feminina vista pelo rapaz, que mal se lembra de sua mãe – falecida quando ele ainda era um bebê.
Mas, a chegada da misteriosa “garota vinda do espaço” não é bem vista pelos moradores locais que, comandados por Prentiss dão início a uma implacável perseguição a ela e a quem tencionar ajudar em sua fuga – no óbvio caso, Todd. Alimentando o caos propriamente dito, também há o “Pregador” Aaron (David Oyelowo), cujas ações execráveis e obsessão em encontrar um mártir para punir me fizeram questionar se gostaria de assistir até o final.
Eu não li o livro, então não posso falar sobre a qualidade da adaptação que foi levada à tela, com produção do próprio Patrick Ness. Como filme isolado de ação/ ficção científica, “Mundo em Caos” funciona em partes, por oferecer uma história original e que conta com elementos que, se desenvolvidos com mais calma em supostas produções futuras, podem ser merecedores da atenção do público.
Por outro lado, como espectadora apenas (lembrando que desconheço o teor do material literário), minha impressão é a de que há algumas decisões tão equivocadas – em especial no que diz respeito ao destino de alguns personagens – que foi difícil acreditar que o longa é fruto do mesmo autor responsável por um dos meus livros/filmes favoritos, “Sete Minutos Depois da Meia-Noite”.
Com final em aberto, cuja nítida intenção é adaptar os outros dois capítulos da trilogia literária, “Mundo em Caos” estreia em um momento complicado, quando ainda há o temor de boa parte do público em retornar às salas de cinema, o que pode comprometer sua bilheteria – e este é um ponto crucial para que tenhamos chance de acompanhar o restante da história de Todd e Viola.
por Angela Debellis
*Texto originalmente publicado no site A Toupeira.
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