Crítica: “Pisque Duas Vezes”

“Adoramos a perfeição, porque não a podemos ter; repugna-la-íamos se a tivéssemos. O perfeito é o desumano porque o humano é imperfeito”. As palavras de Bernardo Soares (heterônimo do poeta português Fernando Pessoa) talvez fossem suficientes para resumir a proposta da narrativa de “Pisque Duas Vezes” (Blink Twice).

O suspense psicológico (que flerta abertamente com o terror em vários momentos) é uma daquelas produções que nos fazem pensar em como é satisfatório o que o amor pela sétima arte nos proporciona.

Ao não carregar o peso de, obrigatoriamente, ser um dos grandes sucessos do ano, o trabalho de estreia de Zoë Kravitz na direção (que também assina o roteiro junto a E. T. Feigenbaum) abraça a liberdade de contar uma história que ganha importância a cada cena. Com isso, também cresce o interesse do público que, ao contrário do que prega o título, não deveria piscar nenhuma vez durante o filme.

A trama nos apresenta Frida (Naomi Ackie), jovem garçonete que enfrenta problemas financeiros e sonha com uma vida melhor. Quando é escalada para trabalhar no evento beneficente promovido por Slater King (Channing Tatum), ela pode comprovar que o mundo tem muito mais a lhe oferecer.

Junto à colega de apartamento / trabalho Jess (Alia Shawkat), Frida assume o papel genérico de socialite que faz presença vip nesse tipo de ocasião e consegue a atenção do magnata da tecnologia, que convida a dupla para passar uns dias em sua ilha particular.

A propriedade foi adquirida para o empresário afastar-se dos holofotes (após algum evento negativo, pelo qual ele fez o famoso vídeo do pedido artificial de desculpas, tão corriqueiro entre as celebridades que usam e abusam das possibilidades de cometer erros que nunca levam às consequências devidas).

O local é absolutamente incrível e parece fácil entender o deslumbramento dos convidados ao lá chegar – em especial das amigas pouco abastadas que nunca tinham tido chance de fazer parte desse lado da sociedade.

Uma rotina frívola e repetitiva se estabelece entre o grupo – que conta com outros amigos de King, além de convidadas aparentemente aleatórias, incluindo Sarah (Adria Arjona), uma ex-participante de reality de sobrevivência.

Figurinos, refeições, festas, uso de substâncias ilegais, danças. Tudo parece milimetricamente calculado, como se não houvesse nenhum espaço para erros ou imperfeições. Mas, a verdade é que, seja por baixo de filtros, intervenções ou fortunas, a vida real segue seu curso irregular, o que torna cada indivíduo singular.

E, quando Frida começa a questionar o que há de errado por trás de tamanho encanto e precisão, as peças de um aterrorizante quebra-cabeça começam a se encaixar. As descobertas da personagem também são as nossas e esse caminhar tortuoso leva o espectador a prender a respiração e temer o que virá adiante.

“Pisque Duas Vezes” é um êxito absoluto. Tudo faz sentido, até mesmo detalhes que não pareciam ter importância ganham destaque conforme a narrativa se desenrola. E, para cada revelação, é um suspiro (de aflição, temor ou alívio) que damos.

A imersão acontece através de vários elementos, sejam visuais ou sonoros. Quase se torna possível sentir a fragrância dos perfumes, o toque macio dos tecidos ou o gosto das comidas refinadas. É como se nos tornássemos parte do grupo, com a vantagem de nunca estar de fato em risco.

Os destaques são todos positivos. Da direção segura de Zoë, à qualidade do roteiro. Da belíssima fotografia de Adam Newport-Berra aos figurinos de Kiersten Hargroder, passando pela ótima trilha sonora que inclui Beyoncé, James Brown e Chaka Khan, que ajudam a compor uma obra surpreendente.

Respondendo ao questionamento feito repetidas vezes durante a produção e destacado no material promocional: Sim, eu estava me divertindo. Muito.

por Angela Debellis

*Texto originalmente publicado no site A Toupeira.

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