Crítica: “A Favorita do Rei”

Filha ilegítima de um monge e de uma cozinheira, desse muito cedo Jeanne Vaubernier mostrava ter desejos de alcançar uma vida diferente da que suas condições perante a sociedade poderiam lhe oferecer.

Sob uma potente narração (feita por Stanislas Stanic), a trama de “A Favorita do Rei” (Jeanne du Barry) se passa em torno da protagonista que dá nome ao filme, vivida pela atriz francesa Maïwenn – que também direção da obra e divide o roteiro com Teddy Lussi-Modeste, Nicolas Livecchi e Marion Pin.

Criada até os 15 anos nas dependências do Convento de Santa Áurea, e almejando muito mais do que uma trajetória religiosa poderia lhe oferecer, ao sair do local, a jovem descobre e aceita determinadas condições – nem sempre fáceis ou favoráveis – para alcançar seus objetivos.

Após exercer funções de pouca visibilidade – como a de dama de companhia para uma viúva – Jeanne torna-se cortesã, atraindo a atenção de inúmeros e influentes homes, Entre eles, o Conde du Barry (Melvin Poupaud), com quem viria a se casar, a fim de obter um título de realeza que lhe abriria as portas para o cobiçado Palácio de Versalhes.

Jeanne tem sua rotina completamente mudada ao cair nas graças do Rei Luis XV (Johnny Depp, em seu primeiro filme falado em francês), que não só faz dela sua amante, como lhe torna sua favorita para a função. O que significa uma vida regada a luxo, poder e luxúria.

É notável o comportamento à frente de seu tempo apresentado pela protagonista. A recusa em submeter-se às rígidas e exageradas normas impostas no palácio, a coragem em transgredir regras de vestimenta (trajando, por vezes, peças consideradas masculinas, ou vestidos com estampas vistas como extravagantes). Pequenos detalhes que tornam a personagem naturalmente relevante em cena.

O relacionamento com Luis XV dura quatro anos, e só encerrado com a morte do regente que, antes de partir, expulsa a amante do Palácio, a fim de obter absolvição diante da Igreja. Com a coroação de Luis XVI (Diego Le Fur), em 1774, e o casamento do novo monarca com a arquiduquesa da Áustria Maria Antonieta (Pauline Pollmann), Jeanne perde em definitivo seu lugar entre os nobres.

Ainda que privada dos benefícios ao quais facilmente havia se acostumado, Jeanne passa os últimos anos de sua vida no Château de Louveciennes, propriedade que foi um dos mais notórios presentes de Luis XV. Até que, aos 50 anos, é condenada à morte por decapitação.

Sem apresentar grandes novidades no roteiro – uma vez que a intenção é, dentro do possível, retratar fatos históricos – “A Favorita do Rei” (título de abertura do mais recente edição do Festival de Cannes, onde foi bem recebido) se destaca em outras categorias, como na boa trilha sonora de Stephen Warbeck e na belíssima fotografia de Laurent Daiiland.

Assim como merece menção trabalho de figurino de Jürgen Doering, com modelos suntuosos ajudando a contar a história e a situar o público quanto à abissal distância que separa o patamar da monarquia dos demais indivíduos “comuns”.

Entre as ambições de Jeanne, estava uma que a aproxima de boa parte dos espectadores: ter uma vida plena de curiosidade. Uma vida onde teria tempo de viver, comer, escrever, ler. Talvez por isso sua presença em tela seja tão convincente e interessante.

por Angela Debellis

*Texto originalmente publicado no site A Toupeira.

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